terça-feira, 24 de novembro de 2009

"É um negócio engraçado isso de felicidade. Você pode lutar, e lutar e lutar mais ainda para ser feliz, mas a felicidade vai chegar devagarinho até você das formas mais peculiares. Me sinto feliz de repente, e não sei o porquê. Alguns dias é por causa da luz do dia ou por alguma razão maravilhosamente imatura, como preparar uma torrada para mim. Felicidade chega até mim até mesmo nos dias ruins. De maneiras muito, mas muito estranhas mesmo. Estou muito feliz em minha vida agora."
-Joni Mitchell, no livro "As melhores entrevistas da Revista Rolling Stone".

Tão simples, mas com tanta verdade. Talvez o refúgio daqueles que, como eu, acham que a razão desvela aos olhos tanta tristeza, seja desistir um tanto dela, todo dia um momento, e permitir-se a insanidade de sentir apenas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

É do amor, o crime, a pergunta.

Tão fácil se incorre no erro de olhar quem hoje ocupa o lugar mais próximo de nós e, sem que haja más intenções, lançar sobre ele as expectativas todas por nossa razão dadas à luz. Espera-se então, do outro, que carregue sobre si fardo que muitas vezes desconhece; e se, em um passo dado a torto na trajetória a dois, derruba ele nossa carga - só nossa - e, desavisado, continua a caminhar sem que ao menos olhe para trás, que dor que é - e restamos nós também, ao chão, junto a tudo aquilo que só a nós cabia levar.
Que se entenda que, em assuntos de amor, a razão é tão somente porta, passagem, fronteira. Dela dispomos até o momento primeiro em que se toma a mão do outro, é dado o primeiro passo e, em silêncio, torna-se sabido, "vem comigo, que há de haver caminho à frente para nós". E tomada a decisão calada, foi-se; da razão resta a distância, apenas - a partir de então o amor é o vazio e a certeza da queda, sem controle senão a gravidade.
E se, ainda caidos, junto ao fardo nosso - só nosso - levantamos a cabeça e vemos que já vai o outro longe, seguindo, não resistimos e gritamos: "por quê?", em nem mesmo um instante tudo se desfaz, vem o chão, e nós a ele, a queda cessa; por companhia, apenas o fardo derrubado. Pois se é a morte o crime da vida, é do amor, o crime, a pergunta.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

, que haja durante.

Nos são apresentados, desde cedo nesta vida, que outra não há e assim espero, os meios pelos quais pode a mesma deixar-se corroer em processo constante e gradual de autofagia, até restar por fim a parcela de quase nada a que se assiste, estático, rumar em sua inevitável caminhada à perdição. Meios, digo eu, e os há, em toda certeza.
O que não nos é dado, assim dito de bandeja, é o discernimento necessário a todos, mas só aos grandes concedido, de que a possibilidade - até probabilidade - do ocaso é motivo grande o bastante para se apontar ao lado oposto, falar a si mesmo que, se não há felicidade ao fim, que haja durante, e retomar os passos dificultosos que nos levam a qualquer lugar outro que não a certeza.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Rosa ou cadáver?

Tanto, tanto tempo sem me visitar por aqui. Em tempos de 140 caracteres no twitter e menos ainda horas livres por dia, acaba que me acostumo a não fazer sequer esforço para perceber palavras que porventura se encadeariam em um qualquer texto coerente e dotado de algum sentido ou sentimento.
Falar de mim não é usual neste recinto. Tento denotar certa perspectiva genérica no que escrevo, sempre receoso de qualquer coisa que se pareça um lamento adolescente. Que hoje se faça exceção, então.
Dois meses fechados, agora vejo, desde minha última passagem. Que fiz desses sessenta e tantos dias? Em verdade, o quão razoável seria perguntar "que fizeram de mim esses sessenta e tantos dias?"? O bom senso deve-se achar em meio termo entre ambas perguntas; acredito que eu e o tempo temos nos exercido influência recíproca. Aparentemente, algo positivo, e que assim continue, se assim for.
Posso bem dizer que uma saudade fez-se presença, novamente. Encaro-a eu como corpo putrefento debilmente reanimado, apenas rescindindo o que resta do seu próprio ranço, ou como a flor que do pus, da merda nasce? Saberei de forma ou outra. Ou talvez dependa de mim apenas: rosa ou cadáver? À terra vai ou da terra vem?
Posso tão bem quanto também dizer das minhas futuras saudades, que as tenho certas apenas pelo quão bom é ter suas razões hoje presentes em vida. Mas se irão, se irão, em certeza e em verdade.
Finalizando, ao menos o que há de disposição para se escrever hoje; dias ocupados, preocupações sobre manter-me vivo à arte e à academia, aos amigos e às obrigações, tudo ao mesmo tempo agora. Impossível, bem se sabe, mas tenta-se.
Espero voltar aqui em breve; voltarei, sim. Não me abandono, não me abandonem. Não se abandonem.

E que fizeram de você esses sessenta e tantos dias?

ps: bem adequado... The Present Tense, o tempo presente, em tradução livre, que é o que nos importa, agora. E linda, linda música.



sexta-feira, 17 de julho de 2009

Amemos, portanto.

Momento aqui emocionado depois de resgatar álbuns antigos me mantendo bebê, e o mesmo fazendo de certa forma aos que me cercavam, quando ainda se ria com a leveza que a infância concede, a nossa ou dos que nos amam. Me veio à mente a seguinte ideia, um olhar dirigido por pai ou mãe a um filho não está preso ao momento que o contém, mas no instante por que é mantido, não mais do que isso, transita livre em viagem pelos anos, o vê nascendo e dando início à história que a deles se confunde, o primeiro sorriso e as primeiras palavras que o explicam, a inocência aos poucos sendo morta pela vida sobre a qual não têm controle, as primeiras ideias que o farão indivíduo, o corpo crescendo até onde pode, a mente crescendo para além de si, isso tudo em um fluxo que culmina no momento presente, em que o filho é esperança, bebê, criança e homem, tudo ao mesmo tempo, no intervalo de um olhar.
E compreensível que não respondamos com o cuidado merecido, e às vezes inclusive com a falta completa dele, nós que somos essa mistura malefeita de criança, homem e esperança; deve-se, vez por outra, contudo, trazer à mente essa ideia, e por ela só, amá-los.
Amemos, portanto, agora, não depois.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A própria ausência de mim.

Levamos conosco vida adentro o vazio do qual viemos, e será ele a herança única que sobre a vida deixaremos quando nos formos. Bem parece sermos de forma que, enquanto vivos, tenhamos apenas uns aos outros com quem contar para preenchê-lo; curiosa soma de vazios, nada e nada, resultando em qualquer coisa que nos explica e sustenta, e da qual devemos nos despir tão somente no momento derradeiro, quando nos iremos inteiros vida afora, deixando apenas nosso vazio particular, e que lidem os vivos com ele.
Se é aceita a ideia anterior, não se pode chamar exagerada a dor de nos vermos novamente subtraidos a nada, pela ausência a nós imposta da outra parte dessa soma; e bem se entende também quem em desespero afirmar ser a saudade a própria ausência de si. Verdade, cá comigo e meu vazio, é a saudade a própria ausência de mim, nos momentos em que só com ele eu puder contar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Microconto em 15 minutos da madrugada.

- A vida, como vai?
- A vida vai a mesma em tudo que isso diz, ou em verdade, vai ela a mesma em tudo que isso cala.
- Você fala feito literatura, e acho isso chato.
- Antes o fosse; em literatura o fim é pretexto para início qualquer. Nada seria escrito sobre este final sem lições que vivemos; qualquer ponto final em uma página em branco o escreveria melhor, e não há sentido em pontos finais, se finais o são.
- Que seja, não importa, não mais.
- Concordo, e até me surpreendo com isso.
- Se dizemos ambos concordar, algum de nós mente.
- E por que isso?
- A um de nós pertece esse corpo cá no chão, um de nós compartilha o podre que resta do que nele foi carne, a um de nós cabe carregá-lo, com todo o peso inequívoco do fungo e da carniça, sobre os ombros, aonde for.
- Nem o tinha notado.
- Mente.
- Minto.
-
-
-
- E que bonito foi um dia esse amor.
- Houve beleza, por momento fugidio que seja, em tudo que foi vivo e já não há em vida.
- Literária, você, olha só. Aquele que de nós mente, afinal, vai carregar esse cadáver consigo, é isso?
- É isso.
-
-
- Mentimos ambos, portanto?
- Eu, não.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Se mal cuidadas as lembranças.

Não raro se dá a situação em que o que de concreto temos em vida perde aos poucos a nitidez, menor é o controle que exercemos sobre ele, até que por fim reduz-se sem aviso ao espectro malacabado da memória. Pode-se bem dizer, e em verdade se diz com propriedade inquestionável, que é assim mesmo, que um dia seremos nós mesmos pouco menos que a lembrança nas mentes saturadas dos que ficaram, como esperar coisa outra do que levamos conosco? Ainda se diz mais, e ainda corretamente, que agradecidos deveríamos ser pela oportunidade a nós concedida de observarmos o que um dia foi e já não é desse camarote cedido pelo tempo, para que choremos pelo já chorado, aprendamos pelo um dia errado e sigamos em frente, por fim, e que feliz fiquemos, pois bem podia ser que o vivido repassado não pudesse ser e pediriamos licença para entrar em uma infinita sequência de erros iguais.
Bem aceita a bênção de se poder sofrer, e tudo mais que isso implica, e pouco não é, pelo já sofrido e todos esses etecéteras enfadonhos já citados, é aqui ressaltada a mazela que é conseguirmos o feito, ou observá-lo conseguido por outrem, de vermos maculadas as memórias dessas tais dores e sucessos. É possível, e que injusto que é. Não saberia descrever o método ou meios para tal, mas que não se duvide, é possível. E alcançado tamanho feito, restamos nós com o tumor que é uma lembrança pestilenta - faz duvidar do que de belo vivemos em absoluto, faz maior as amarguras quaisquer das quais já curtimos o ranço por tempo suficiente.
A mazela de uma memória é nosso passado maculado, e maculada está também aquela com quem o vivemos; pois então se conclui com tristeza que, se mal cuidadas as lembranças, pensaremos o já vivido como se, ao recordarmos ente querido falecido, pensássemos apenas em seu cadáver putrefento deitado rígido em seu velório.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Todo amor já foi coisa diferente.

Todo amor já foi coisa diferente; entre o instante anônimo do primeiro suspiro e o momento doceamargo do último engasgo, não deixa ele de mudar, como bem mesmo o vivente que o encerra. E se já não mais há eloquência entre olhos um dia tão falantes, que não se culpem córneas e cristalinos - é mesmo o amor que, ante o fim, se cala, e espera mudo para, em um último esforço altruísta, morrer só. E descontada a nobre intenção, fato é que, em amor, nunca se morre sozinho.
Bem verdade que pode ele, em sua dinâmica, crescer e fazer-se forte, e sem dúvida o faz; é o momento para mostrá-lo e exercê-lo - nada mais rico em estética que sujeito carregado por amor robusto. Desapego, se possível fosse haver, seria aqui recomendado, pois não demoram pernas a fraquejar, o ar faz-se faltoso, e tão mais cedo do que se espera, somos nós a carregar sobre os ombros o corpo débil do que foi um amor a dois. Até por fim largá-lo, que se vire só, já que só estou também, vá aonde vão os amores senis e por lá se realize até que finalmente se desfaça em qualquer coisa que sobre de um sentimento liquidado. Ou bem se pode guardá-lo em gaveta pouco usada, e aqui se pode ou não entender metáfora, e vez em quando abri-la somente para, em vista do fungo, do mofo e do pus, constatar em amargura: todo amor já foi coisa diferente.


Para amenizar um tanto o ranço amargo dessas letras, vai aqui uma amargura um tanto mais doce.


quinta-feira, 4 de junho de 2009

Pensamento aleatório de uma manhã cinzenta.

Recife nunca fica tão linda quanto em dias de chuva. Por mais autêntico que seja o azul no céu de um dia de sol, acabamos por nos render à estafa de por todo o dia, e todo dia, termos nossas miudezas menos radiantes constrangidas por uma beleza que não admite oposição. O sol em Recife é absoluto, e impõe a promiscuidade de uma alegria úmida comum a todos - é contrastante e quase marginal a intenção apenas de contrariá-la, com o cinza de um rosto ou de alma.
Por isso, em uma manhã de chuva como essa, cá com meu café por testemunha, aproveito a distração da tantas vezes constante vigília solar, e liberto pelo recinto as melancolias tantas que de outra forma estariam onde não posso vê-las, mas sentiria o pus que têm por hábito cultivarem quando em companhia somente delas mesmo. E que diferença é vê-las, notar seus traços e o que de belo se perde entre eles. É por demais óbvia a beleza de um céu azul; maior mérito é revelar a si mesmo o quão bonito pode ser seu interior em cinza.
E em um diálogo matinal com todas elas, ou com as que se deram ao atrevimento de mostrarem-se, nelas descubro o que me distingue e me define, desmistifico-as e percebo que talvez melhor esteja eu com elas. E que eu não precise de uma rara manhã cinzenta para perceber o quão eu triste eu seria sem minha tristeza.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Um céu escuro de passado.


Bem verdade a quebra em um ritmo tão bom de escrita a que tinha me acostumado pelas primeiras semanas; mas é possível que haja a infeliz oposição, aqui, entre minha escrita e minha vida - que uma se alimente do que à outra é carniça. Torçamos então por tempos de fome literária.
Tenho cá pensado, no entanto, sobre a infeliz relação entre um e suas ausências - infeliz por tão pouco ou nada recíproca. Enquanto tão fácil nos tocam os ausentes, a eles podemos tão somente assistir desse camarote melancólico que é a memória. E continuaremos a assisti-los tomarem formas improváveis, em um céu escuro de passado, tão longe ao toque, mas à distância de um olhar, até que por fim se desfaçam em saudades e, logo, em nada mais. E nada mais tantas vezes é o que falta para o claro de um céu que, por mais que discordem nossos olhos, é o mesmo e o será sempre.
Que fique perdoado o texto pouco inspirado por motivo de ressaca e de uma certa falta de objetivo com essa música de céu azul.





Wilco - Sky Blue Sky

terça-feira, 19 de maio de 2009

O que de belo há em toda dor.

Trago cá as palavras de um mestre para que das minhas ideias se retire alguma pompa que se pudesse delas dizer. Disse Jorge Luis Borges: "A felicidade não precisa ser transmutada em beleza, mas a desventura, sim". Já o disse aqui, então amparado por Goethe, e cada vez mais estou convencido, até por ser essa a síntese dos meus motivos para vir aqui despejar algumas tantas letras para que se percam neste espaço infinito da internet. E perco-me eu com elas, ou o que de mim há nelas, e é bastante.
É de se viver, a alegria; motivo não há para trazê-la em parágrafos. Toda letra será de pouco efeito ante o sorriso que tente escrever. Mas em fato concreto, é feia a tristeza - lágrimas rançosas, soluços carregados, o negro sob os olhos. Que injustiça seria pensá-la assim, ela que tanto carrega em si de bonito, e tanto nos explica. Em verdade, vou mesmo aqui dizer que nunca tanto se sabe sobre um vivente quanto se pode saber através de suas dores. E por isso, aqui, sou mais eu do que em grande parte da minha vida, explicando-me por trazer-lhes, em letras, o que em mim há de triste; e de beleza não prescindo ao fazê-lo, seja pela arte que lhe dou por companhia em quase todo texto, seja pelo arranjo que bem sucedi em fazê-lo poético. E que se faça aqui justiça ao que de belo há em toda dor.

Por tudo que a razão não recomenda.

O sono da razão cria monstros - Goya, gravura.

E em verdade o faz; mais curiosa ainda, contudo, é a criatura cuja origem não é da razão a ausência, mas fartura. Nos moldes da razão, perde-se tantas vezes o conteúdo que de lógica nada tem, mas por isso mesmo é imprescindível ao exercício do que mais misterioso há em nós. Não a deixemos de lado, mas nem tampouco deixemos com que a sobriedade que dela provém nos empreste e por fim conosco deixe a frigidez de viventes embevecidos com a própria prudência.
Se há em nós centelha qualquer que não nos explique, mas ao menos faça clara a beleza da pergunta que somos, e que com a razão nada tem, mas com a qual por vezes concorda por manter-se omissa, não a calemos quando em nosso íntimo sentimos que pede, tímida porém inquieta, por tudo que a razão não recomenda.


domingo, 17 de maio de 2009

Love is all, Love is you.

Em certo ponto do filme Hannah e Suas Irmãs (assistam sem hesitar) o personagem de Woody se questiona: "Milhões de livros escritos sobre cada assunto concebível, por todas essas grandes mentes e, no fim, nenhum deles sabe mais das grandes questões do que eu". A partir daí, fala de Sócrates, grande violador de menininhos; Nietzsche, com sua teoria do eterno retorno, o que significaria ter de ver todos os filmes e programas de tv ruins de novo, não valeria a pena; Freud, outro grande pessimista - o analista do personagem foi tão infrutífero que acabou ele por frustrar-se; conclui, então: "Talvez os poetas estejam certo; talvez o amor seja a resposta".
E em verdade, seja dispensado um momento de cada dia para reflexões, sem dificuldades nos deparamos, assim de surpresa, com a falta de razão e propósito dos nossos dias, a princípio, se considerada nossa finitude, a fragilidade de um corpo, a falta de 'por quê's, a certeza desenganada de que viveremos a morte dos que amamos, com exceção ao fato de irmos nós antes, tanto pior; a incerteza da recompensa após anos de trabalho duro, a oposição entre os caminhos prudentes e nossos desejos aventurosos - paremos por aqui, fiquemos acordados, pois é infinita a lista, ou o fim não o distinguo, o que pouco tem de diferente. Que culpa têm os que se desesperam? Qual a fraqueza dos suicidas, se a vida não os municiou da força com que aguentassem o peso de seu conteúdo, esse novelo sem lógica ou propósito?
Algum sentido é necessário; e se a razão a si não se sustenta, nos voltamos à poesia - aqui como metonímia para qualquer arte - que da razão prescinde. E, em arte, temos por essência o amor tantas vezes versado, cantado, filmado e exercida de outras formas tantas. E amor podemos sentir e viver, e dele, sem que razão seja necessária, retiramos o sentido para uma vida que de outra maneira não o teria.
O que parece até o momento um texto feito convite a amar, pode agora decepcionar alguém mais romântico que o leia, pois não é bem nesses tons que se conclui. O amor carrega consigo beleza necessária para que plena se viva a vida, mas tem em si a fraqueza inequívoca que consiste em, de cada amor, sermos nós apenas metade. O amor, por vistoso que seja em princípio, é até de má-fé dizê-lo, mas do tempo recebe fungos, mau cheiro e se faz tumor, e ele não mais se vive, mas a ele se sobrevive até que se rompa, e voltamos todos à miséria de termos perdido o sentido que à vida concedemos, em tempos enamorados.
Mas e que fazer? Pode-se bem ter um balaço no crânio como resposta; se lhe convém, não protesto, pois resposta mesmo eu não a tenho. Convenço-me, por sobrevivência, a aceitar que da vida sentido só se obtém se aceita a pergunta que ela é, em absoluto; as perguntas, em verdade, uma variedade delas. E eu cá me apego à pergunta desse amor todo em forma de interrogação, e deixarei de perguntá-lo apenas no dia que até essa questão não me dê mais sentido.
Fiquemos com os Beatles, para quem 'love is old, love is new/ love is all, love is you".


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Como desaparecer completamente.


Verdade é por vezes acharmos haver olhos demais no pedaço de mundo que nos compete, e tanto valor seria dado ao anonimato de um momento em suspenso que durasse apenas o quanto tivesse de durar, nem um segundo a menos. Não há quarto fechado ou caminhada solitária que nos aliene da iminência próxima, tão próxima, da promiscuidade que é estar em público quando nossa própria companhia faz-se multidão, sozinha. E violados nos sentiremos novamente, tão somente pela menção de sermos vistos.
Que não seja julgada a postura até aqui escrita tal qual melodrama adolescente de aparente isolamento como pretexto para chamar a si os olhos cuja vista diz repudiar, ainda que sejam esses impulsos semelhantes em forma ao aqui descrito, mas tão longe em conteúdo. Em verdade, é fardo de quem vê doença nas convenções necessárias para exercer o que aparentemente temos de social ser julgado doente do mesmo mal, apenas em sua faceta oposta.
E uísque é escape, masturbação escape é, o que se fuma e o que se cospe são escapes também, e à sujeira a que almejamos se recorre, e com ela se confunde, adquirindo também suas feições, e tudo resta sujo, de fora a dentro. E sujo ficamos apenas por ser a sujeira motivo de repúdio aos tantos olhos aos quais foi pedido, a princípio, apenas um momento de privacidade, amargurada que fosse, mas de amargura íntima.
Texto um tanto atípico, bem afeito aos antigos vômitos adolescentes vocabulares, sem a prudência linguística e temática de que não prescindo, na maioria das vezes, se pretendo torná-lo público. Mas que seja, nem sempre conseguimos ser prudentes.
Um tanto de beleza, então, a seguir. Como desaparecer completamente? Radiohead explica.



segunda-feira, 11 de maio de 2009

Se adeus for necessário.

Dizer adeus é lição de que não pode prescindir ninguém em uma vida, se pretender não fazer da mesma uma sucessão de frustrações distintas em conteúdo, tão semelhantes em forma. E quão pesada é uma ausência, por paradoxal que pareça. É ver-se ante à presença do não-estar, e se confuso parece, é por confuso ser.
Saudades é ter lacunas em seus dias que por você mesmo não se podem preencher; e se clichê é dizer que o tempo as preenche assim de forma tão natural, diga-se também que com o tempo faz-se nossa vida um desfile das lacunas que preenchemos plena ou debilmente, com as quais aprendemos ou não a conviver, e às quais sobrevivemos ou não.
Que se aprenda, então, a dizer adeus, se adeus for necessário, e convivamos com a presença do que em nossa vida passa a faltar; mas se necessário não for, não dê razão à crueldade que é o adeus antecipado, frígido e repleto de fundamentos; maiores serão as lacunas, maior o peso de uma ausência.
Se confuso parece o texto, é por confuso ele ser, realmente. E como desculpas pelas minhas saudades enfadonhas, tomem aí uma saudade de Dylan. Se você a vir, diga olá.



If you see her, say hello, she might be in Tangier
She left here last early spring, is livin' there, I hear
Say for me that I'm all right though things get kind of slow
She might think that I've forgotten her, don't tell her it isn't so.

We had a falling-out, like lovers often will
And to think of how she left that night, it still brings me a chill
And though our separation, it pierced me to the heart
She still lives inside of me, we've never been apart.

If you get close to her, kiss her once for me
I always have respected her for busting out and gettin' free
Oh, whatever makes her happy, I won't stand in the way
Though the bitter taste still lingers on from the night I tried to make her stay.

I see a lot of people as I make the rounds
And I hear her name here and there as I go from town to town
And I've never gotten used to it, I've just learned to turn it off
Either I'm too sensitive or else I'm gettin' soft.

Sundown, yellow moon, I replay the past
I know every scene by heart, they all went by so fast
If she's passin' back this way, I'm not that hard to find
Tell her she can look me up if she's got the time.


domingo, 10 de maio de 2009

Absurdos, absurdos.

"- Doutor, meu irmão pensa que é uma galinha.
- Mas e por que você não o interna?
- Eu deveria, mas preciso dos ovos."

Tenho de tomar cuidado para não fazer deste recinto uma homenagem incansável porém maçante a Woody Allen e seus filmes, dada a importância que têm eles em meu momento atual, mas deixar de escrever sobre Annie Hall (1977), no Brasil, com o lamentável título de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, é deixar de escrever um pouco sobre mim, também.
É com a piada acima transcrita que Alvy (Woody) conclui não só o filme, mas tantas questões fundamentais acerca dos relacionamentos; são absurdos, sem sentido, motivo para dores, frustrações e tristezas, sem lógica alguma, mas no fim, precisamos dos ovos.
Não é um filme otimista, e quem o assiste junto ao parceiro corre o risco de incorrer na constatação sempre ciente mas nunca notada de que o amor entre eles pode bem, por motivo algum, ou por motivos vários, desfazer-se aos poucos em amargura, e, por fim, em nada mais. Mas aqueles pouco afeitos a sentimentalismos e fofuras cinematográficas, e que pedem ao cinema não escape, mas um trato maduro e artístico da realidade, verão no final do filme o viés de esperança que a vida, em toda sua dureza e falta de justiça ou injustiça, proporciona àqueles a ele atentos.
As diversas fases e facetas de uma história entre duas pessoas é contada da maneira mais coerente possível: sem qualquer lógica. Em uma cena, lagostas vivas sendo postas ao fogo como pano de fundo a tudo de mais alegre e sem razão que pode ocorrer entre um casal; em outra próxima, um diálogo amargo sobre o porque de não se conseguir fazer sexo sem antes fumar maconha. E assim a história entre Alvy e Annie nos é mostrada dentre os limites pouco nítidos do absurdo que é a soma dos absurdos individuais de cada um. É amor? Sem dúvidas que sim, absurdo esse que nos ultrapassa e transcende todos outros nossos, até nos tornar, nós também, absurdo maior que não pertence a um nem a outro; o amor é o absurdo que só aos dois pertence, nenhum dos dois explica, e do qual ambos não podem escapar, até que para um deles o absurdo se faça razão, e na razão o amor desfalece e se desfaz. Absurdos, absurdos.

Mais eu escreveria, mas acabou que gostei de terminar o corpo do post com "absurdos, absurdos", serviu bem ao propósito inicial do texto, por pura sorte, pois premeditado nada foi. Assistam ao filme, se confiarem aqui na dica, e eu diria que o fizessem.
Cá eu procuro no chão, entre tantos ovos partidos, se nos restaram alguns que façam do nosso absurdo ainda pergunta digna de ser vivida. Interrogações para nós, portanto.

Fiquem, por fim e finalmente, com essa cena do filme, que nada estraga surpresa alguma, mas é presente para esses que restaram até o final do texto, e lembrem-se então dos seus velhos tempos, com quem quer que tenham sido eles vividos.




Seems like old times, having you to walk with
It seems like old times, having you to talk with
And it's still a thrill just to have my arms around you
It's just like old times, dinner dates and flowers
Its just like old times, staying up for hours
Making dreams come true, doing things we used to do
It seems like old times, being here with you



sexta-feira, 8 de maio de 2009

Um sorriso.

Há sorrisos que em nossos olhos descansam e lá permanecem mesmo bem depois de findos os motivos que os causaram; fazemos deles razão para nossos próprios, enquanto temos sobre eles qualquer participação. Clara fraqueza, por uma vez que os vemos tão alheios a nós, à distância de um olhar mas não de um toque, causam nada em nosso rosto além de contrações cuja amargura em nada lembra o par alegre que constituiam as duas bocas em questão.
Descansemos, então, sabendo que não há força no mundo capaz de roubar aos nossos olhos o sorriso de Audrey. E em verdade, faz-se necessária aqui a conclusão de que não há amor mais fiel do que o amor entre nós e a arte que nos acomete, seja qual for. De nós nada cobra além de um momento de atenção para que retribua com um sorriso, mesmo que o mesmo em nós falte, sorrirá por nós ao mundo.
Um sorriso meu, então, a seguir.


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Valsando com Mathilda.


Criamos por hábito fazer frígido o que de mais vulnerável há em nós, em consequência ao medo tão comum de termos expostas aos olhos terceiros as coisas miúdas que nos fazem fracos. Problema é desenvolver a tal ponto essa crosta que nem saibamos mais nós o caminho por onde alcançar o que temos também de mais bonito e insolúvel. Pois aqui apresento um atalho.
Tom Waits veio a mim em período de negação, como tantos há e outros tantos houve; sua voz traz consigo a imagem dos frustrados nas ruas de uma cidade a eles cega, dos bêbados, daqueles com um fígado ruim e um coração partido, da perdição dos homens nas infinitas maneiras pelas quais conseguem atingi-la, das saudades, dos amores que já não há. E incrível que pareça, traz também conforto, pela razão irônica de que se constata que em um mundo onde tantas mazelas incidem sobre nós, há também a possibilidade de fazer delas arte. E arte é o mínimo que se pode dizer daquilo que soa através dessa voz rouca e perdida, pois rompe barreira qualquer que se possa ter erguida e nos toca onde precisamos, vez por outra, para humanos sermos, ser tocados. Por mais que doa.
Para vocês, para mim, Tom Traubert's Blues.


quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pensamento aleatório na madrugada.

É paradoxal de tal maneira o andar lento da rotina em oposição às mazelas por ela contidas que não se deve estranhar os que a percorrem no passo ainda mais vagaroso da melancolia. Deixa os dias correrem, e cá ficamos conosco mesmos, a esperar. Bem se pode dizer ser questão de atitude ou postura, e em verdade, o é. Sacuda essa poeira e alcança a vida, podem dizer, e dizem, com toda retórica e lógica necessária, não se nega, estão certos, certos, e palmas.
Mas falta nas palavras, por mais bem formadas e encadeadas que estejam, o conteúdo inequívoco e único que faria acordar nossa tristeza, trazê-la à razão e mostrá-la que razão não há pra ser; e assim, sem que nada a lógica tenha a ver com isso, desfaleceria sem teima a tristeza e deixaria por cadáver apenas um sorriso um tanto mais leve e despreocupado, além da leveza com que se pode alcançar, da rotina, o trote preguiçoso. E trotaríamos preguiçosos nós também.
Mas não carregam as palavras esse mistério singular, e sem ouvi-lo, resta adormecida em mim a maldita, por cujo peso já mal ando, por cujas cores já nem quero, por cuja essência já não sou.

Life is a piece of shit/ When you look at it.



Há de se tomar cuidado para que este recinto não se torne assim tão cedo merecedor do rótulo de "auto-ajuda", tão sutil que é a diferença entre versar sobre o que a vida tem de menos lógico e lançar um sem-número de lugares comuns sobre isso. Mas em bem da verdade, o rótulo faz sentido se entendido unicamente no viés pelo qual eu aqui escrevo com o intuito apenas de me ajudar, de prestar a mim mesmo auxílio ante essas tantas coisas sobre as quais arriscarei-me ingenuamente a opinar ou comentar.

Ajuda eu encontro também tão longe de mim; exemplo é a cena retratada acima e logo após o texto mostrada na íntegra - A Vida de Brian, do Monty Python, em sua cena final. Não há tratado filosófico, não que já os tenha lido em suficiente quantidade, que atue sobre mim com tamanha intensidade; ainda que por um instante apenas, esses poucos minutos de cinema me retiram do recinto que divido com todas e quaisquer frustrações e tristezas e me colocam para assisti-las do lado de fora, pela janela; mas que diferença isso faz! Tão de perto não se nota o ridículo contido em cada uma delas, em cada pedaço mal criado de mim, ridículo esse feito óbvio pela simples distância, apenas pela adoção de diferente perspectiva.

Problema é que terminado o vídeo, resto apenas eu cá comigo, e poucas opções restam que não voltar ao quarto, pedir desculpas pelo comentário, e viver em mim todas as mesmas companheiras, novamente. Há de se achar maneira de fazer soar em mim as mesmas vozes que no vídeo cantam para que sempre se olhe a vida pelo seu lado bom - pode soar até ingênuo, e tantas vezes comigo o foi, mas não se propõe aqui um exercício de Poliana (?), não é ver o que há de positivo em toda miséria; tantas vezes simplesmente não o há. Mas se deve, sim, atentar à perspectiva que parta da miséria para a vida, e não o contrário, pelo qual se enxerga tão somente a falta de esperança e o consequente desespero. Tentemos, tentemos. Tentarei.



Some things in life are bad
They can really make you mad
Other things just make you swear and curse.
When you're chewing on life's gristle
Don't grumble, give a whistle
And this'll help things turn out for the best...

And...always look on the bright side of life...
Always look on the light side of life...

If life seems jolly rotten
There's something you've forgotten
And that's to laugh and smile and dance and sing.
When you're feeling in the dumps
Don't be silly chumps
Just purse your lips and whistle - that's the thing.

And...always look on the bright side of life...
Always look on the light side of life...

For life is quite absurd
And death's the final word
You must always face the curtain with a bow.
Forget about your sin - give the audience a grin
Enjoy it - it's your last chance anyhow.

So always look on the bright side of death
Just before you draw your terminal breath

Life's a piece of shit
When you look at it
Life's a laugh and death's a joke, it's true.
You'll see it's all a show
Keep 'em laughing as you go
Just remember that the last laugh is on you.

And always look on the bright side of life...
Always look on the right side of life...
(Come on guys, cheer up!)
Always look on the bright side of life...
Always look on the bright side of life...
(Worse things happen at sea, you know.)
Always look on the bright side of life...
(I mean - what have you got to lose?)
(You know, you come from nothing - you're going back to nothing.
What have you lost? Nothing!)
Always look on the right side of life...

terça-feira, 5 de maio de 2009

Vale a pena a vida.


Em cena próxima do fim de Manhattan (1979), Isaac (Woody Allen) fala ao gravador sobre a ideia para um conto futuro, sobre cidadãos novaiorquinos que criam suas próprias paranóias e neuroses desnecessárias para que, assim, mantenham-se alheias aos reais e insolúveis problemas da vida e do universo. Neste ponto, pergunta-se: "Bom, e o que faz a vida valer a pena ser vivida? - essa é uma boa questão...". Boa, sem dúvidas, especialmente se estivermos a par da visão woodyallenesca da vida, para quem ela é trágica, em essência: uma sucessão de frustrações e tristezas que, no fim, acaba cedo demais; parte a listar, então, as coisas que fariam sua vida válida de se viver: Grouxo Marx, seu ídolo cômico; Willie Mays; o segundo movimento da Sinfonia de Júpiter, de Mozart; Louis Armstrong tocando Potato Head's Blues; filmes suecos, naturalmente; Educação Sentimental, de Flaubert; Marlon Brando, Frank Sinatra; as incríveis pêras e maçãs de Cézanne; os caranguejos em certo restaurante; o rosto de Tracy.

Tracy, aos que não assistiram ao filme - pelo que ainda esperam? - é a garota de 17 anos, de doce e incrível maturidade, com quem o personagem de Allen relaciona-se, mas, em certa altura, abandona para ficar com mulher tão velha e problemática quanto ele. A partir daí, segue uma das cenas que eu sem pensar meia vez incluiria entre as mais tocantes do cinema, até onde o conheço. Mas foquemo-nos na citada. É de se pensar. Questionar-se sobre a vida é tarefa imprescindível ao exercício pleno da experiência humana, mas também frustrante por apenas esclarecer com crescente nitidez sua completa falta de sentido, uma vez admitida a ausência de um critério absoluto moral ou divino; ante a confusão de questionamentos mais profundos, procuramos no que há de miúdo e tangível na vida para lhe dar qualquer sentido, ainda que frágil, débil.

Penso então cá comigo sobre as miudezas que fazem da minha vida uma experiência válida de se viver. Os filmes do próprio Woody, sem dúvidas, com os quais sempre aprendo e me emociono, tantas vezes de forma simultânea; O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago; Crime e Castigo; A Insustentável Leveza do Ser; A Náusea, de Sartre. Tantas letras que me fizeram, em literatura, ver a vida por olhos mais lidos; A Vida de Brian, do Monty Python, a ver o lado feliz da tragédia; How To Disappear Completely, pelo Radiohead; conversas com Thaís, sem dúvidas; queijos franceses; A Day in The Life; Jules et Jim; as ruas de Paris, que estejam sempre lá, da maneira mesma que as pisei; Tom Traubert's Blues, do Tom Waits, a quem respondem sempre minhas lágrimas; dias de chuva em Recife; Dom Casmurro; São Paulo uma vez por ano, tantas em minha vida; Long Day's Journey Into Night, do O'Neill; café; um copo de Leuffe legítima; True Love Waits, ainda que eu não acredite; o frozen yogurt do América; Audrey Hepburn cantando Moon River; uma cerveja em dia de semana; o rosto e a risada de Suzy.

Parece-me suficiente, mais viria se mais eu tentasse, mas assim está bom. Pronto, tirem-me essas coisas e de mim restará somente o corpo no quarto com as paredes em vermelho, e irei convicto. Com tudo isso em minha vida, ela pode continuar sendo essa sucessão de frustrações sem sentido algum, e mesmo assim terei ainda meios de estar feliz. Que postar neste blog torne-se uma dessas miudezas.

Gostaria sem demagogia alguma de saber as coisas miúdas que fazem da vida de vocês uma experiência que vale a pena ser vivida. Por favor, respondam pelos comentários.