terça-feira, 5 de maio de 2009

Vale a pena a vida.


Em cena próxima do fim de Manhattan (1979), Isaac (Woody Allen) fala ao gravador sobre a ideia para um conto futuro, sobre cidadãos novaiorquinos que criam suas próprias paranóias e neuroses desnecessárias para que, assim, mantenham-se alheias aos reais e insolúveis problemas da vida e do universo. Neste ponto, pergunta-se: "Bom, e o que faz a vida valer a pena ser vivida? - essa é uma boa questão...". Boa, sem dúvidas, especialmente se estivermos a par da visão woodyallenesca da vida, para quem ela é trágica, em essência: uma sucessão de frustrações e tristezas que, no fim, acaba cedo demais; parte a listar, então, as coisas que fariam sua vida válida de se viver: Grouxo Marx, seu ídolo cômico; Willie Mays; o segundo movimento da Sinfonia de Júpiter, de Mozart; Louis Armstrong tocando Potato Head's Blues; filmes suecos, naturalmente; Educação Sentimental, de Flaubert; Marlon Brando, Frank Sinatra; as incríveis pêras e maçãs de Cézanne; os caranguejos em certo restaurante; o rosto de Tracy.

Tracy, aos que não assistiram ao filme - pelo que ainda esperam? - é a garota de 17 anos, de doce e incrível maturidade, com quem o personagem de Allen relaciona-se, mas, em certa altura, abandona para ficar com mulher tão velha e problemática quanto ele. A partir daí, segue uma das cenas que eu sem pensar meia vez incluiria entre as mais tocantes do cinema, até onde o conheço. Mas foquemo-nos na citada. É de se pensar. Questionar-se sobre a vida é tarefa imprescindível ao exercício pleno da experiência humana, mas também frustrante por apenas esclarecer com crescente nitidez sua completa falta de sentido, uma vez admitida a ausência de um critério absoluto moral ou divino; ante a confusão de questionamentos mais profundos, procuramos no que há de miúdo e tangível na vida para lhe dar qualquer sentido, ainda que frágil, débil.

Penso então cá comigo sobre as miudezas que fazem da minha vida uma experiência válida de se viver. Os filmes do próprio Woody, sem dúvidas, com os quais sempre aprendo e me emociono, tantas vezes de forma simultânea; O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago; Crime e Castigo; A Insustentável Leveza do Ser; A Náusea, de Sartre. Tantas letras que me fizeram, em literatura, ver a vida por olhos mais lidos; A Vida de Brian, do Monty Python, a ver o lado feliz da tragédia; How To Disappear Completely, pelo Radiohead; conversas com Thaís, sem dúvidas; queijos franceses; A Day in The Life; Jules et Jim; as ruas de Paris, que estejam sempre lá, da maneira mesma que as pisei; Tom Traubert's Blues, do Tom Waits, a quem respondem sempre minhas lágrimas; dias de chuva em Recife; Dom Casmurro; São Paulo uma vez por ano, tantas em minha vida; Long Day's Journey Into Night, do O'Neill; café; um copo de Leuffe legítima; True Love Waits, ainda que eu não acredite; o frozen yogurt do América; Audrey Hepburn cantando Moon River; uma cerveja em dia de semana; o rosto e a risada de Suzy.

Parece-me suficiente, mais viria se mais eu tentasse, mas assim está bom. Pronto, tirem-me essas coisas e de mim restará somente o corpo no quarto com as paredes em vermelho, e irei convicto. Com tudo isso em minha vida, ela pode continuar sendo essa sucessão de frustrações sem sentido algum, e mesmo assim terei ainda meios de estar feliz. Que postar neste blog torne-se uma dessas miudezas.

Gostaria sem demagogia alguma de saber as coisas miúdas que fazem da vida de vocês uma experiência que vale a pena ser vivida. Por favor, respondam pelos comentários.

6 comentários:

  1. Antes de mais nada, apesar de minhas críticas a esse velho babão, se há uma coisa que ele sabe, é fazer-nos pensar nas pequenas coisas que valem a pena serem vividas, é transformar esse ranço a que chamamos de vida em algo a se pensar, com pontos a se considerar. Agora voltando, vou ressaltar umas coisas que tornam viver uma experiência valiosa: conversas na madrugada, sempre, com quem for - ressalvas óbvias aqui -, blues/jazz uma vez por mês, de preferência da trilha sonora de Cowboy Bebop, Eleanor Rigby, Belle & Sebastian uma vez por semana, filmes sinceros, como Milk, momentos de completa solidão, amigos verdadeiros, All My Loving, a voz de Regina Spektor, Mari quando vem ao Recife, quantas vezes for preciso, Copa Paulo Francis, I've just seen a Face, encontrar pessoas de boa cabeça e bom humor, Saramago, García Márquez e Douglas Adams e errar sabendo que isso é um privilégio.

    De fato, se expremer sai mais, mas acho que boa parte já está aí, e tudo vale muito a pena.

    Abraços,
    Diogo.

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  2. Eu odeio fazer isso, mas devo retificar minha lista. Acrescente três itens essenciais ao caldeirão, nada mais, e assim estou tranquilo: comer carne, Paulo Leminski e dirigir em pista vazia.

    Pronto, agora a vida vale um puto.

    Abraços,
    Diogo.

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  3. Poder ter meu espaço pra ficar sozinha durantes horas entre pensamentos f[úteis] ou passar um dia inteiro assistindo filmes introspectivos do Bergman,não me faz pensar q a vida vale a pena a ser vivida,porém, me faz bem momentaneamente.E isso me fez lembrar um diálogo entre Ingrid Bergman no papel de Charlotte para a sua filha Eva [Liv Ullmann] no filme Sonada de Outono ( q é um dos meus filmes favoritos):
    “As vezes, quando fico acordada à noite, me pergunto se realmente tenho vivido. Será que é assim, para todo mundo? Ou será que algumas pessoas têm mais talento para viver do que outras? Ou será que há pessoas que nunca vivem? Mas simplesmente existem? Então, o medo me pega e vejo um retrato horrível de mim mesma. Eu nunca amadureci. Meu rosto e meu corpo envelheceram, mas por dentro nunca nasci."
    E é exatamente isso q imagino q vou pensar daqui a alguns anos.
    Eu apenas vou sobrevivendo, porque não sei fazer outra coisa.
    A minha vida deixou de valer a pena já tem exatamente 7 meses e 2 dias,
    que foi quando eu vi todos os meus sonhos serem enterrados [literalmente].
    Mas assim vou levando a vida,ensaiando o sorriso de cada dia :)

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  4. esse é um questionamento recorrente em meus monólogos mentais, hehe. antes do dia 20 de março, eu diria que era ir pro show de radiohead. o imediato pós-show foi o mais próximo que já cheguei de perda de perspectiva de vida. aquilo foi a culminância de tudo. hehe. minha lista provavelmente é muito parecida com a tua. só que ela é muito fluida, a hierarquia das coisas muda em questão de algumas horas, às vezes. e muitas coisas são incorporadas. sempre. e inclusive por causa de você.
    atualmente, brigadeiro - fruto proibido por questões de estética e saúde, o que o faz parecer ainda mais necessário à vida; I Might Be Wrong, de Radiohead - do caos à letra -; Ensaio sobre a cegueira; a insustentável leveza do ser; 1984, de George Orwell; a maçã no escuro, de Clarice; a cena do planetário e esta mencionada no post, ambas de Manhattan; While my guitar gently weeps e I want you, dos beatles - the sexiest songs ever written; o medley do Abbey Road; Crime e castigo; Go slowly, de Radiohead; Monty Python, especificamente a cena de em busca do cálice sagrado em que aquele príncipe de sexualidade duvidosa canta na janela; a sensação gerada quando se mata a curiosidade sobre alguma coisa; conversas contigo (não é flattery, de Svidrigalov); a risada e a presença de Beta; Dioguinho; a enormidade do coração e os olhos de Luísa; sociologia e quem me introduziu a esse mundo, em tudo que ela representa pra mim - a possibilidade de compreensão do não-óbvio, certa esperança, que pode ser considerada de forma bem piegas, contidamente revolucionária; nas férias, virar a noite sozinha ouvindo pink floyd e radiohead na rede, na varanda de mf e ir ver o sol nascer sozinha na praia; ir pro cinema sozinha, com pipoca tamanho gigante e coca sem gás; algum grau de liberdade e auto-suficiência nas relações interpessoais em geral; last but not least - talvez até a parte mais importante de todas -as memórias dos meus bons momentos (e uma esperança - consideravelmente convicta - nos bons momentos reservados pra mim no futuro).


    *fiquei honrada com a menção. mas no need to mention it.

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  5. Sonada de Outono, tá marcado.
    Que bela fala!

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  6. "algum grau de liberdade e auto-suficiência nas relações interpessoais em geral;"

    Isso é demais. Demais.

    Abraços,
    Diogo.

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