quinta-feira, 18 de junho de 2009

Se mal cuidadas as lembranças.

Não raro se dá a situação em que o que de concreto temos em vida perde aos poucos a nitidez, menor é o controle que exercemos sobre ele, até que por fim reduz-se sem aviso ao espectro malacabado da memória. Pode-se bem dizer, e em verdade se diz com propriedade inquestionável, que é assim mesmo, que um dia seremos nós mesmos pouco menos que a lembrança nas mentes saturadas dos que ficaram, como esperar coisa outra do que levamos conosco? Ainda se diz mais, e ainda corretamente, que agradecidos deveríamos ser pela oportunidade a nós concedida de observarmos o que um dia foi e já não é desse camarote cedido pelo tempo, para que choremos pelo já chorado, aprendamos pelo um dia errado e sigamos em frente, por fim, e que feliz fiquemos, pois bem podia ser que o vivido repassado não pudesse ser e pediriamos licença para entrar em uma infinita sequência de erros iguais.
Bem aceita a bênção de se poder sofrer, e tudo mais que isso implica, e pouco não é, pelo já sofrido e todos esses etecéteras enfadonhos já citados, é aqui ressaltada a mazela que é conseguirmos o feito, ou observá-lo conseguido por outrem, de vermos maculadas as memórias dessas tais dores e sucessos. É possível, e que injusto que é. Não saberia descrever o método ou meios para tal, mas que não se duvide, é possível. E alcançado tamanho feito, restamos nós com o tumor que é uma lembrança pestilenta - faz duvidar do que de belo vivemos em absoluto, faz maior as amarguras quaisquer das quais já curtimos o ranço por tempo suficiente.
A mazela de uma memória é nosso passado maculado, e maculada está também aquela com quem o vivemos; pois então se conclui com tristeza que, se mal cuidadas as lembranças, pensaremos o já vivido como se, ao recordarmos ente querido falecido, pensássemos apenas em seu cadáver putrefento deitado rígido em seu velório.

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