sábado, 8 de janeiro de 2011

pra ser tão gente.

De sós, pisamos a rua; de enfado, a casa voltamos. Talvez, a impossibilidade com que lidamos todo dia em nossa roda lenta de pessoas é a falta de medida entre o que buscamos e o que se pode achar.
Não se é, em cada cama de solteiro, gente o suficiente; masturbamos solitários nossa individualidade aleijada até decidirmos que deve haver, há de haver por aí, sujeito qualquer que complete o naco de gente que nos falta. E quão humilhante é a busca até que se encontre rostinho ordinário que carregue o que pensamos nos faltar. E vá lá, que divertido pode ser por tempo breve - breve - durante o qual nos sentimos gente plena. E seja em nossa casa vazia ou na avenida maior que há, carregamos esse rostão satisfeito de gente toda. Breve, é breve e lhe digo novamente que é breve.
Logo, tão mais cedo do que você esperava, eu garanto - eu garanto - há de se pensar, quase saudoso, na ausência daquele teco de gente. A náusea virá, e nos vemos gente demais; é gente caindo pelos ouvidos, é fartura de gente expulsa em golfadas, é gente excretada por cada cada poro que possível for, até restar, tão somente, a parcela malefeita de gente que costumávamos ser. Não nascemos pra ser tão gente, duas pessoas é gente demais. E de enfado, a casa voltamos.
Voltando à questão da falta de medida, e com ela concluindo, meio termo não há; ou se é gente de menos, ou se enfada por gente demais. Tá-dá.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Isso.


Eu cuspo em seu sorriso. E sei que os dentes não cessarão seu desfile, músculo algum hesitará em sua rigidez; é um sorriso todo esse em que cuspo, e não basta gesto solitário de amargura para que fraqueje nas certezas que o criaram e o mantêm. Mas não me tome por maldoso, nem tampouco pense que o desprezo. Se há qualquer sentimento que justifique o cuspe que pela sua boca agora escorre, é um primo sem nome da inveja, não lhe chamo o nome por nome não haver com que lhe chame; aqui, contudo, será isso o seu pronome.
Isso me coabita desde que soube, com idiota certeza soube, estar em espera pelo próximo passo. Tudo o que fui até então foi construído, conquista débil após conquista débil, em um mesmo ponto, onde estou parado sustentando uma vida que aguarda. Sobre mim, todos esses anos de pessoas e obras e frustrações minhas e frustrações delas e vitórias mesquinhas e expectativas e expectativas. Toda essa torre abobalhada esperando o próximo passo que lhe dará sentido. Talvez desmonte, por fim. Mas que desmonte.
E é isso, amigo, a razão por que lhe cuspo a face. Vejo-os andando em vida; em círculos, atabalhoados, mas andando, e felizes assim. Sorrindo. Ser feliz, talvez, é saber um lugar que seja seu. Eu não sou, até então, o meu lugar; minha boca, portanto, mantém-se cuspindo, sem tentar, covarde que é, o passo delicado de um sorriso.


Terminar com a pergunta abaixo faz sentido, acredito.



domingo, 26 de setembro de 2010

Débeis.

Do amor, em um corpo, pouco resta além do vazio que ocupava - não se leva consigo nada nobre, não há aprendizado que fique. Toda experiência desmonta, vai ao chão, e fica-se só, a cabeça entre as mãos, ruminando a constatação - "absurdo, absurdo". Foi assim após o primeiro, assim será por quantas vezes amor houver.

Todo amor nasce e morre em função dele mesmo; nada levamos que nos faça mais preparados para o próximo. Qualquer convicção contrária é tentativa débil de se ter controle - não há, não há. Fim de amor é ressaca eterna até a próxima dose; a embriaguez virá da mesma forma.

No fim, e encerrando de forma descompromissada um texto preguiçoso e sem objetividade, cada amor compartilha com outro, tão somente, a expectativa. Nascer amor é nascer a ansiedade pelo fim, e nenhum aprendizado anterior a faz mais confortável; e, até que chegue, seremos tão débeis como fomos por cada vez que, sorrindo frouxo, acreditamos que seria diferente. Débeis.



Esse texto está tão cretino e preguiçoso, que não vou nem relacionar alguma música a ele. É ele, sozinho, em toda sua cretinice.


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Cuspir uvas passas.

Não há quem não o seja; mesmo o mais cretino de nós é um arranjo atabalhoado de improbabilidades. Pensada assim de batepronto, é uma ideia com trejeitos de otimismo; que fascinante é pensar em poder esperar uma infinidade de absurdos de cada um desses anônimos rotineiros.
Seria, seria, e tão bom se fosse. Antes de pensar em canção ensolarada qualquer e assobiá-la calçada afora, saibamos, descubramos juntos não ser assim. É condição de ser pessoa a capacidade efervecente de secar toda exceção em potência, e concretizar apenas o esperado; e como o esperado vem se mostrando uma tendência. As pessoas são possibilidades decepcionantes. E as exceções, uvas passas sob o sol da flacidez de espírito.
Aqui temos estranha situação onde uma maioria concorda, débil, enquanto a minoria que resta não é nem metade do que aqui se fala. Eu falo de você, de sua mãe e do seu namorado.
E que faz você, seu maldito?, além de cuspir amargura neste canto miúdo, emprestando algum glamour de pessoas tão maiores que você? Absolutamente nada além do que aqui se vê. Sentarei em qualquer banco vago pela manhã, estóico na constatação de poder muito bem ser objeto do que escrevo, ou de poder vir a ser; mas até lá, não deixo de cuspir. Cuspir uvas passas.

domingo, 22 de agosto de 2010

; esse.

Há vidas que não são viagens, mas eternas salas de espera sem porta ou itinerário visível; dessas, não espere mais que enfado e golfadas úmidas de um ar saturado. Que medo tenho de, em dia maldito, me encontrar sentado sobre uma mala contendo o pouco que trouxe comigo, para não ser mais aberta. Deve-se esse receio, veja bem, ao equívoco comum em que caimos a cada vez que falamos em portas que abrimos e fechamos, em vida. Não há portas; para falarmos em portas, temos de, ao menos, considerarmos a escolha de abri-las. Mas não, a vida não comporta maçanetas; se nada mais, em vida há buracos. E são por eles que, ao se abrirem sob nós, sem aviso, passamos à outra passarela pela qual daremos continuidade à caminhada enfadonha rumo ao próximo.

Da confusão desse parágrafo malefeito acima, retirem apenas isso - escolhas até há, mas somente até o ponto em que o chão se arrebenta sob os pés. Não há alternativa à queda.

O medo que de mim fez casa tem por razão de ser a possibilidade concreta de, sem que ao menos perceba, encontrar-me esperando, e nada mais. A vida não sobrevive estática; apenas parou, passa a apodrecer. Uma sala de espera em que nado sozinho no pus de minha vida carcomida - esse é meu medo; esse.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

por uma vida que é mudança.


É a vida, ou deveria ser, sucessão de mudanças em cadeia cujo fim é a mudança última, promovida pelos vermes. Pensando nisso, e considerando se tenho qualquer controle sobre elas, descubro-me nu, um corpinho de carnes violadas em meu próprio vagão desgovernado assistindo, a cada metro, a caminhos possíveis ficando para trás, por conta da lentidão da incerteza, pelos pesos de minhas fraquezas amarrados aos tornozelos, pelo medo de pular em falso para o próximo vagão. Ante o medo, nunca deixei de ser criança; por mais que racionalize e elabore, toda explicação é menos eloquente do que seria um curto ganido. A vida me faz cadela de rua.

É medo de tudo - ou ao menos, de tudo à frente; não me decidi ainda se sou eu que vou andando a seu encontro, ou se estou parado e me é jogado à cara. E esse tudo termina por caber, e ganha força, no espelho, quando me observo com calma. Qual seria, qual será, a feição desse rosto, se lhe retratam a alma? Fará a vida de mim o que costuma fazer em seus caprichos - tomar-me os sonhos e devolver as migalhas, e que faça eu o que puder delas? Termino essa frase e solto um ganido. Continuo.

Penso, temo; olho meus pares, meus amigos, os anônimos todos que compõem minha rotina; quem são eles, se tomadas-lhes as roupas e as carnes; se lhes sobra apenas o reflexo por companhia? Creio, e creio feito um imbecil, que são o mesmo corpinho de carnes violadas que sou, trafegando em velocidade estúpida por uma vida que é mudança. Não cansamos de temer os mesmos medos, guardando-os tal qual nossas vergonhas, com todo esmero do pudor - os mesmos medos sob um silêncio solidário?

Ah, se fôssemos despudorados. Se contássemos uns aos outros nossos medos, descobriríamos sê-los todos os mesmos. E ficassem eles talvez velhos, de tão temidos. E morressem eles talvez cansados, de tão vividos; e viriam outros, novos - se mais nada, ao menos novos. Mas não recomendo o otimismo; continuaremos, assim deste jeito, calados, e para sempre ganindo desgovernados, essas cadelas de rua que somos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

pela pureza do grotesco.


Quão solitária é a liberdade de uma perversão. Em comum, partilhamos todos o que, da vida, fez-se necessário; as mundices todas que, em última análise, possibilitam a sobrevivência do animal retoricamente disfarçado, mas que ainda necessita de comida que pela boca o adentre e em seguida pelo cu o deixe discretamente, uma cama onde se possam deitar os pecadilhos todos a serem esquecidos pelos sonhos, atividade suficiente para que não lhe caiam flácidos os músculos - ainda que a mente o faça. Um trabalho respeitável, uma hora de almoço durante a qual o façam rir seus colegas, passeios no shopping, cinema compreensível, a embriaguez do chopp potencializando as mesmas risadas da hora do almoço. Tudo o que lhe é necessário é pelo homem compartilhado promiscuamente - o abraço suado da rotina não lhe permite a solidão.

Que faz então alguém quando já quitado o dia? Concordemos ser o homem animal social; que é o homem, contudo, quando findas as obrigações que o brutalizam? O que sobra quando é morto o animal? Pouco pudor há em observar o indivíduo nas horas poucas que lhe restam antes do sono, quando despe a carcaça animal do todo dia, e, nu, poê-se a exercer sua humanidade. O homem é humano somente na presença de suas perversões.

Permita-se a beleza da solidão despudorada. Beleza tantas vezes emancipada da estética, exalada apenas pela pureza do grotesco - na solidão, distiguem-se os homens; não há perversão que se repita, somos definidos pelas nossas vergonhas. A perversão é a impressão digital por cada um deixada sobre a vida, e nada mais sobre ela deixaremos.

Talvez, e aqui fica a incerteza de uma reflexão sem compromissos, nos façamos mais humanos quando soubermos compartilhar nosso grotesco, nossas vergonhas. Bem possível é que, após o choque inicial, percebessemos termos passado a vida sob a proteção débil do medo e da intolerância, apontando as mazelas de cada um, quando somos, afinal, todos iguais na lama encantandora do indivíduo; findaria, por fim, a solidão, e teríamos uns aos outros para desfrutar o desbunde de nossa humanidade.


Não foi esquecida a proposta inicial do blog, trabalho conjunto entre mim e os grandes; cito em minha defesa, portanto, Nelson Rodrigues, quando afirma que se soubéssemos o que cada um faz entre quatro paredes, não nos daríamos bom dia. Bom dia.