Em cena próxima do fim de Manhattan (1979), Isaac (Woody Allen) fala ao gravador sobre a ideia para um conto futuro, sobre cidadãos novaiorquinos que criam suas próprias paranóias e neuroses desnecessárias para que, assim, mantenham-se alheias aos reais e insolúveis problemas da vida e do universo. Neste ponto, pergunta-se: "Bom, e o que faz a vida valer a pena ser vivida? - essa é uma boa questão...". Boa, sem dúvidas, especialmente se estivermos a par da visão woodyallenesca da vida, para quem ela é trágica, em essência: uma sucessão de frustrações e tristezas que, no fim, acaba cedo demais; parte a listar, então, as coisas que fariam sua vida válida de se viver: Grouxo Marx, seu ídolo cômico; Willie Mays; o segundo movimento da Sinfonia de Júpiter, de Mozart; Louis Armstrong tocando Potato Head's Blues; filmes suecos, naturalmente; Educação Sentimental, de Flaubert; Marlon Brando, Frank Sinatra; as incríveis pêras e maçãs de Cézanne; os caranguejos em certo restaurante; o rosto de Tracy.
Tracy, aos que não assistiram ao filme - pelo que ainda esperam? - é a garota de 17 anos, de doce e incrível maturidade, com quem o personagem de Allen relaciona-se, mas, em certa altura, abandona para ficar com mulher tão velha e problemática quanto ele. A partir daí, segue uma das cenas que eu sem pensar meia vez incluiria entre as mais tocantes do cinema, até onde o conheço. Mas foquemo-nos na citada. É de se pensar. Questionar-se sobre a vida é tarefa imprescindível ao exercício pleno da experiência humana, mas também frustrante por apenas esclarecer com crescente nitidez sua completa falta de sentido, uma vez admitida a ausência de um critério absoluto moral ou divino; ante a confusão de questionamentos mais profundos, procuramos no que há de miúdo e tangível na vida para lhe dar qualquer sentido, ainda que frágil, débil.
Penso então cá comigo sobre as miudezas que fazem da minha vida uma experiência válida de se viver. Os filmes do próprio Woody, sem dúvidas, com os quais sempre aprendo e me emociono, tantas vezes de forma simultânea; O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago; Crime e Castigo; A Insustentável Leveza do Ser; A Náusea, de Sartre. Tantas letras que me fizeram, em literatura, ver a vida por olhos mais lidos; A Vida de Brian, do Monty Python, a ver o lado feliz da tragédia; How To Disappear Completely, pelo Radiohead; conversas com Thaís, sem dúvidas; queijos franceses; A Day in The Life; Jules et Jim; as ruas de Paris, que estejam sempre lá, da maneira mesma que as pisei; Tom Traubert's Blues, do Tom Waits, a quem respondem sempre minhas lágrimas; dias de chuva em Recife; Dom Casmurro; São Paulo uma vez por ano, tantas em minha vida; Long Day's Journey Into Night, do O'Neill; café; um copo de Leuffe legítima; True Love Waits, ainda que eu não acredite; o frozen yogurt do América; Audrey Hepburn cantando Moon River; uma cerveja em dia de semana; o rosto e a risada de Suzy.
Parece-me suficiente, mais viria se mais eu tentasse, mas assim está bom. Pronto, tirem-me essas coisas e de mim restará somente o corpo no quarto com as paredes em vermelho, e irei convicto. Com tudo isso em minha vida, ela pode continuar sendo essa sucessão de frustrações sem sentido algum, e mesmo assim terei ainda meios de estar feliz. Que postar neste blog torne-se uma dessas miudezas.
Gostaria sem demagogia alguma de saber as coisas miúdas que fazem da vida de vocês uma experiência que vale a pena ser vivida. Por favor, respondam pelos comentários.