quinta-feira, 12 de agosto de 2010

por uma vida que é mudança.


É a vida, ou deveria ser, sucessão de mudanças em cadeia cujo fim é a mudança última, promovida pelos vermes. Pensando nisso, e considerando se tenho qualquer controle sobre elas, descubro-me nu, um corpinho de carnes violadas em meu próprio vagão desgovernado assistindo, a cada metro, a caminhos possíveis ficando para trás, por conta da lentidão da incerteza, pelos pesos de minhas fraquezas amarrados aos tornozelos, pelo medo de pular em falso para o próximo vagão. Ante o medo, nunca deixei de ser criança; por mais que racionalize e elabore, toda explicação é menos eloquente do que seria um curto ganido. A vida me faz cadela de rua.

É medo de tudo - ou ao menos, de tudo à frente; não me decidi ainda se sou eu que vou andando a seu encontro, ou se estou parado e me é jogado à cara. E esse tudo termina por caber, e ganha força, no espelho, quando me observo com calma. Qual seria, qual será, a feição desse rosto, se lhe retratam a alma? Fará a vida de mim o que costuma fazer em seus caprichos - tomar-me os sonhos e devolver as migalhas, e que faça eu o que puder delas? Termino essa frase e solto um ganido. Continuo.

Penso, temo; olho meus pares, meus amigos, os anônimos todos que compõem minha rotina; quem são eles, se tomadas-lhes as roupas e as carnes; se lhes sobra apenas o reflexo por companhia? Creio, e creio feito um imbecil, que são o mesmo corpinho de carnes violadas que sou, trafegando em velocidade estúpida por uma vida que é mudança. Não cansamos de temer os mesmos medos, guardando-os tal qual nossas vergonhas, com todo esmero do pudor - os mesmos medos sob um silêncio solidário?

Ah, se fôssemos despudorados. Se contássemos uns aos outros nossos medos, descobriríamos sê-los todos os mesmos. E ficassem eles talvez velhos, de tão temidos. E morressem eles talvez cansados, de tão vividos; e viriam outros, novos - se mais nada, ao menos novos. Mas não recomendo o otimismo; continuaremos, assim deste jeito, calados, e para sempre ganindo desgovernados, essas cadelas de rua que somos.

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