terça-feira, 3 de agosto de 2010

pela pureza do grotesco.


Quão solitária é a liberdade de uma perversão. Em comum, partilhamos todos o que, da vida, fez-se necessário; as mundices todas que, em última análise, possibilitam a sobrevivência do animal retoricamente disfarçado, mas que ainda necessita de comida que pela boca o adentre e em seguida pelo cu o deixe discretamente, uma cama onde se possam deitar os pecadilhos todos a serem esquecidos pelos sonhos, atividade suficiente para que não lhe caiam flácidos os músculos - ainda que a mente o faça. Um trabalho respeitável, uma hora de almoço durante a qual o façam rir seus colegas, passeios no shopping, cinema compreensível, a embriaguez do chopp potencializando as mesmas risadas da hora do almoço. Tudo o que lhe é necessário é pelo homem compartilhado promiscuamente - o abraço suado da rotina não lhe permite a solidão.

Que faz então alguém quando já quitado o dia? Concordemos ser o homem animal social; que é o homem, contudo, quando findas as obrigações que o brutalizam? O que sobra quando é morto o animal? Pouco pudor há em observar o indivíduo nas horas poucas que lhe restam antes do sono, quando despe a carcaça animal do todo dia, e, nu, poê-se a exercer sua humanidade. O homem é humano somente na presença de suas perversões.

Permita-se a beleza da solidão despudorada. Beleza tantas vezes emancipada da estética, exalada apenas pela pureza do grotesco - na solidão, distiguem-se os homens; não há perversão que se repita, somos definidos pelas nossas vergonhas. A perversão é a impressão digital por cada um deixada sobre a vida, e nada mais sobre ela deixaremos.

Talvez, e aqui fica a incerteza de uma reflexão sem compromissos, nos façamos mais humanos quando soubermos compartilhar nosso grotesco, nossas vergonhas. Bem possível é que, após o choque inicial, percebessemos termos passado a vida sob a proteção débil do medo e da intolerância, apontando as mazelas de cada um, quando somos, afinal, todos iguais na lama encantandora do indivíduo; findaria, por fim, a solidão, e teríamos uns aos outros para desfrutar o desbunde de nossa humanidade.


Não foi esquecida a proposta inicial do blog, trabalho conjunto entre mim e os grandes; cito em minha defesa, portanto, Nelson Rodrigues, quando afirma que se soubéssemos o que cada um faz entre quatro paredes, não nos daríamos bom dia. Bom dia.

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