quarta-feira, 28 de julho de 2010

, sem ao menos saber.



As pessoas, esses fungos que, se deixarmos, nos tomam a vida inteira, sem ao menos saber. Se vivê-las significa reservar-lhes espaço vital de nossa lembrança, de nossa vida, preenchido por tudo que resultou de conhecê-las, uma vez que se vão, que nos resta? Aos poucos, e, por vezes, de um só golpe, se esmigalha tudo a que se podia recorrer, e escorre sabe-se lá aonde, que desconheço onde fica o que nem à lembrança mais pertence. Restamos então, cá conosco, com este espaço vazio, esta ausência, onde sopra vez ou outra a brisa de uma saudade; dentro de nós, qualquer eco nos pertence.
Recomendo, portanto, evitar-se despedidas; são aborto duplamente cruel - pelo passado que, a partir de então, se põe a esmigalhar-se, e pelos momentos todos para os quais já havíamos até reservado a parcela de nós mesmos a ser preenchida; essa nunca deixará de ser lacuna, e que a frustração tome, aos poucos, as paredes.
Tenho saudades soprando por todos os vazios que em mim me deixaram, sem nem saber. Chamo por eles todos, os que se foram, e por resposta tenho apenas minha voz, cada vez mais débil, cada vez mais fraca. Ausência não tem cor, são buracos escuros apenas, essas lacunas de que falo.
Dentro de mim, eu, minha voz débil, e as migalhas que restam no chão.
As pessoas, esses fungos que, se deixarmos, nos tomam a vida inteira, sem ao menos saber.

Almejando à coerência e ao amparo dos grandes, Morrissey concorda que "life is a succession of people saying goodbye".


quarta-feira, 7 de julho de 2010

apenas pela beleza do gesto



Sou um ingrato para com as letras. A elas recorro tão somente em momentos nos quais eu por mim mesmo não me sustento, e cá venho forrar minha cama com orações e períodos que me expliquem e me tragam qualquer leveza. Não se decepcionem, pois meu pecado é o mesmo, e cá estou novamente, de novo e sempre.
Tenho duvidado, a sério, de minha sanidade. A maneira pela qual teço expectativas sobre o que, e quem, me rodeia tem se mostrado turva e equivocada - ébrio, tenho estado, em espírito, sem descanso. Sobriedade deve haver em vida, ou onde se possa buscá-la, quando necessário. E onde posso eu buscá-la, agora que me é necessário? Creio ter chegado aonde queria ao começar a escrever, hoje; é necessário haver âncoras para não se perder em todo o infinito de uma individualidade. O indivíduo é entorpecente, quando não há mais convergência com todo resto. E eu, cá comigo, como me fixar novamente alguma razão? Qual minha âncora?
Recorro às letras, novamente, de novo e sempre. É exercício curioso o de escrever. Fácil de se concluir ser um canal direto entre o que há de ideia e o texto concreto, via expressa da cabeça ao papel. Também o é. Que incrível é perceber, contudo, que vêm também, do papel à cabeça, conclusões, ideias, sentimentos, novos e prontos para serem pensados, sentidos, praticados; e deles, tanto, se pode criar. E espero criar minha âncora à sobriedade, a partir deles. Portanto escrevo para que me venha algo novo, e que possa eu, mais uma vez, recorrer às letras, e que elas me amem também, se por nada mais, apenas pela beleza do gesto - de escrever.

A ideia sobre "amar pela beleza do gesto" vem dessa cena do filme "As canções do amor". Está provado que só é possível falar de amor em francês, por sinal.