Nos são apresentados, desde cedo nesta vida, que outra não há e assim espero, os meios pelos quais pode a mesma deixar-se corroer em processo constante e gradual de autofagia, até restar por fim a parcela de quase nada a que se assiste, estático, rumar em sua inevitável caminhada à perdição. Meios, digo eu, e os há, em toda certeza.
O que não nos é dado, assim dito de bandeja, é o discernimento necessário a todos, mas só aos grandes concedido, de que a possibilidade - até probabilidade - do ocaso é motivo grande o bastante para se apontar ao lado oposto, falar a si mesmo que, se não há felicidade ao fim, que haja durante, e retomar os passos dificultosos que nos levam a qualquer lugar outro que não a certeza.
Tanto, tanto tempo sem me visitar por aqui. Em tempos de 140 caracteres no twitter e menos ainda horas livres por dia, acaba que me acostumo a não fazer sequer esforço para perceber palavras que porventura se encadeariam em um qualquer texto coerente e dotado de algum sentido ou sentimento. Falar de mim não é usual neste recinto. Tento denotar certa perspectiva genérica no que escrevo, sempre receoso de qualquer coisa que se pareça um lamento adolescente. Que hoje se faça exceção, então. Dois meses fechados, agora vejo, desde minha última passagem. Que fiz desses sessenta e tantos dias? Em verdade, o quão razoável seria perguntar "que fizeram de mim esses sessenta e tantos dias?"? O bom senso deve-se achar em meio termo entre ambas perguntas; acredito que eu e o tempo temos nos exercido influência recíproca. Aparentemente, algo positivo, e que assim continue, se assim for. Posso bem dizer que uma saudade fez-se presença, novamente. Encaro-a eu como corpo putrefento debilmente reanimado, apenas rescindindo o que resta do seu próprio ranço, ou como a flor que do pus, da merda nasce? Saberei de forma ou outra. Ou talvez dependa de mim apenas: rosa ou cadáver? À terra vai ou da terra vem? Posso tão bem quanto também dizer das minhas futuras saudades, que as tenho certas apenas pelo quão bom é ter suas razões hoje presentes em vida. Mas se irão, se irão, em certeza e em verdade. Finalizando, ao menos o que há de disposição para se escrever hoje; dias ocupados, preocupações sobre manter-me vivo à arte e à academia, aos amigos e às obrigações, tudo ao mesmo tempo agora. Impossível, bem se sabe, mas tenta-se. Espero voltar aqui em breve; voltarei, sim. Não me abandono, não me abandonem. Não se abandonem.
E que fizeram de você esses sessenta e tantos dias?
ps: bem adequado... The Present Tense, o tempo presente, em tradução livre, que é o que nos importa, agora. E linda, linda música.